segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Alguns passos da minha imersão cultural e algumas outras coisas diferentes da cultura daqui observadas em dois dias de passeios: Flensburg e Billund

Hej gutter. Tenho umas novidades sobre o que ando vendo e aprendendo de estranho e incomum pra um brasileiro no meio de dinamarqueses. Na última uma semana, fui convidado a fazer duas viagens a lugares diferentes com uma família dinamarquesa. Me juntei a eles, e vivi uma coisas interessantes que até me inspiraram a escrever mais um post com alguns choques culturais que ainda ando tendo por aqui.

O primeiro convite veio numa terça-feira, feito por um colega de trabalho. Ele me convidou pra ir com ele, sua esposa e seu filho de dois anos fazer compras em Flensburg, na Alemanha. Eu respondi fazendo a pergunta "mas você acha que o chefe vai me deixar sair pra viajar em plena quarta-feira?" e ele me disse pra que eu tentasse em tom de quem sabia que eu receberia um "sim". Sem saber como pedir isso ao chefe, acabei sugerindo junto ao meu pedido de ausência de trabalho, que eu poderia ir trabalhar no sábado pra "pagar" as horas. O chefe aceitou, como quase sempre ele aceita. Falando no meu chefe, eu ainda estou pra descobrir se ele é um cara tão legal quanto ele geralmente é por ser uma característica comum de chefes dinamarqueses, ou se eu dei uma puta sorte por ter um chefe desses. (não falo só por ele me deixar faltar numa quarta, mas por outras diversas coisas legais que algum dia eu deverei vir aqui listar mais detalhadamente)
Aí pegamos estrada pra Flensburg. Parece que é algo super comum pela Dinamarca à fora as pessoas que têm carro pegarem estrada e irem fazer compra nessa cidade. Isso porque ela fica exatamente na fronteira da Dinamarca com a Alemanha, mas por estar no lado da Alemanha os produtos têm impostos MUITO mais baixos e compensa demais a viagem. Eu voltei de lá com 3 calças novas pelo preço que eu teria pago por apenas uma se tivesse comprado aqui na Dinamarca.
No nosso caminho a Flensburg, tínhamos que ir até a casa do sogro do meu colega pra deixar seu filho sob seus cuidados durante nosso dia de compras. Como seu sogro mora no campo, foi uma oportunidade de passamos por alguns sítios e o casal (meu colega e sua esposa) me contarem um pouco sobre a vida rural na Dinamarca. Nos sítios por aqui, as vacas têm uma "casa" especial pra elas. É um curral com paredes fechadas, com aquecedor de ar e música pra que elas mesmo durante o inverno possam produzir leite sem serem congeladas ou sem terem suas tetas congeladas na neve do lado de fora. Por falar nas tetas, geralmente quem tira o leite delas são robôs. No Brasil também tem isso, obviamente, mas acho que aqui é algo muito mais comum já que até moradores rurais tem mais grana. Fora isso, enquanto meu pai sofre furtos de vacas no seu sítio no interior mineiro, aqui o que delimita os sítios às vezes é unicamente um fio elétrico que só faz dar um susto e tocar de volta pra dentro do pasto a vaca que encostar nele. Aparentemente não existe roubo de gado por aqui. Mas às vezes roubam máquinas ou algo tecnológico que tenha nos sítios. Daí alguns morados do campo, como o sogro do meu colega, colocam câmeras de segurança ao redor das casas e alarmes. Coisa que geralmente o povo no Brasil não tem dinheiro pra comprar, ou que não acham que vale a pena gastar com isso. Ainda falando dessas casas de campo ou sítio, aparentemente até elas não escapam das mãos super-poderosas dos dinamarqueses quando o assunto é decoração. Se todas as casas são como essa casa que visitei, pode saber que elas possivelmente são mais aconchegantes do quê a sua casa. Sofás grandes, TV de tela gigante, aquecedor, decorações e iluminação que fazem as casas tornarem os dias inteiros dentro de casa se escondendo do frio um tanto quanto, no mínimo, aconchegantes. Até pros dois gatinhos da casa, que além de terem uma passagem na porta só pra eles poderem entrar e sair quando quiserem, eles ainda têm uma coleirinha que além de identificá-los, ainda tem um chip que detecta que eles estão se aproximando da portinha pra gatos e a destranca automaticamente, evitando que gatos da vizinhança entrem dentro da casa pra comer suas rações. Os sistemas de água, esgoto, aquecimento de ar e etc são produzidos pelos próprios donos da casa e geralmente são ecologicamente corretos e autossustentáveis, reaproveitando luz solar, reaproveitando água, etc.
Fora isso, o resto desse dia foi basicamente passado dentro de lojas e supermercados na cidade de Flensburg. Compramos coisas baratíssimas e finalmente provei o prato super típico alemão que é a salsicha com as batatas fritas e uns molhos. Mas achei aqueles molhos uó.

O outro dia de viagem também foi feito com meu colega e sua família. Ele me ligou no dia, que era um domingo que ele fazia aniversário (falando assim, parece que foi a um super tempo atrás, mas na verdade foi ontem! hahah), me convidando para ir a um parque aquático na cidade onde os brinquedos Lego foram criados: Billund, no oeste da Dinamarca. No caminho, fui tentando ler os livrinhos de historinhas pra bebês dinamarqueses que é do filho do meu colega (que tem 2 anos, só pra relembrar). E tentando falar algumas palavras em dinamarquês ao interagir com o bebê, porque eu basicamente falo tanto dinamarquês quanto ele. hahahah
Então lá estávamos nós, num parque aquático chamado Lalandia. Acho que foi o primeiro parque aquático que fui em toda minha vida. E eu cheguei a comentar que achei melhor ir num parque aquático do quê ir às vezes à praia, pq no parque pelo menos não tem aquele sol infernal me torrando enquanto a água do mar tá fria pra caralho (yes, eu queria que tivesse aquecedor na água das praias - saudades de compartilhar o mar com os tubarões de Recife, que deu agora). Enfim, antes de irmos pra piscina veio a primeira regra: meu colega me disse que eu tinha que tomar um banho antes. Aqui a maioria das vezes não precisam nem colocar funcionários vigiando se as pessoas não estão destruindo as coisas, porque além de não destruírem elas ainda SEGUEM cada regra que for definida. Então lá fui eu tomar banho, seguindo o desenho na parede que mostrava que deve-se tomar banho sem roupa, e apontando todas as partes do corpo que deviam ser bem lavadas (cabeça, debaixo do braço, genitais, etc). Depois de tomar o banho, aí sim você põe sua roupa de piscina. Então quando eu já estava com minha roupa de piscina, falei com meu colega que eu precisava fazer xixi antes. Sabe a resposta? Ele me apontou o banheiro, falando que eu podia fazer xixi ali, e me apontou de novo o chuveiro, falando que eu tinha que tomar banho de novo depois de fazer xixi. SÉRIO? Sério, produção. E fui eu fazer isso né. Aprendendo a ser um bom cidadão dinamarquês. hasuhasuh
Bom, falando nos banheiro e de todas essas regras pra tomar banho.. Tem chuveiros com porta, mas a maioria das pessoas usam esses chuveiros que ficam um do lado do outro mesmo. Dinamarqueses geralmente não têm problema algum em ficarem nus. Tomam banho e andam nus pelos vestuários de qualquer lugar. Homens nus, adolescentes nus, crianças nuas, avôs nus. Eu tenho me adaptado a isso e achado super interessante ver corpos nus. Adolescentes em desenvolvimento e homens velhos com o corpo que eu terei um dia. Acho que as pessoas deveriam andar mais nuas, porque escondem demais o corpo humano e aprendem de menos sobre si mesmos. Ainda tô me adaptando a isso e por estar me adaptando eu fico com medo do meu cérebro acabar me trapaceando e me deixando constrangido em algum momento como quase já aconteceu. hahah Mas com sorte, chegarei num ponto que tudo isso será simplesmente banal, tanto quanto deveria ser.
Ainda no contexto dos banheiros com homens nus caminhando pra todos os lados, nesse parque aquático eu ainda vi uma menininha dentro de um desses banheiros. Era seu pai quem a havia levado pra dar banho e trocá-la, o mesmo que o meu colega estava fazendo com seu filho de dois anos, todos andando nus por lá.
Esse pai, assim como outros, levam suas filhas e as trocam no banheiro que eles têm acesso - ou seja, o masculino, obviamente. Da mesma forma que mães no Brasil levam seus filhos meninos para dar banho e trocá-los em banheiros femininos. A diferença é que aqui as tarefas de cuidar dos filhos são divididas igualmente entre os pais. O pai tem tanto o dever de dar banho e trocar a filha quanto a mãe tem. Quando estávamos jantando após sairmos do parque aquático, por exemplo, meu colega desceu com seu filho para brincar no playground enquanto sua esposa ficou jantando. Depois de algum tempo contado, ela olhou no relógio e falou "hora de trocar!" e desceu pra brincar com o filho, enquanto meu colega voltou para comer. E assim revezavam ambos ora indo brincar com o filho, ora indo comer mais um pouco enquanto dava. A mãe trabalha tanto quanto o pai, o pai cuida tanto do filho quanto a mãe, ambos têm tanta obrigação de preparar o jantar e de limpar a casa quanto o outro tem - e eles estão sempre revezando nessas tarefas com prazer de estarem igualmente participando da vida do filho.


Meu colega brincando com seu filho no playground. Infelizmente esqueci de tirar uma foto quando a esposa dele revezava brincando com o menino da mesma maneira.


Ouvi meu colega falar de amor, a relação afetuosa do seu filho com ele e sua esposa. Pelo que vi em famílias pelo Brasil, só lembro de ter visto uma relação desse tipo na família de um amigo paulistano (por incrível que pareça). Mas né, eu venho do interior de Minas, por lá acho que isso é super incomum mesmo.
Ao me perguntar sobre meus planos de continuar no país depois que meu contrato aqui acabar, meu colega citou que eu poderia encontrar algum cara dinamarquês e me casar. (Aqui você já pode notar o quão natural é uma pessoa gostar de pessoas do mesmo sexo neste país.) E a esposa dele concordou e brincou dizendo que eu poderia até mesmo me casar com o irmão do meu colega (que é um adolescente de 16 anos que eles suspeitam que pode ser gay).
No caminho pra casa, a esposa do meu colega ainda fez piadinha dizendo que eles poderiam me adotar (meu colega tem a minha idade, sendo ainda uns meses mais novo!), depois de brincar dizendo que precisam de ajuda pra cuidar do filho porque é meio difícil achar babás por aqui. O bebê dia desses brincava com a gente e começou a correr até meu colega e abraçá-lo, e depois correr até mim e me abraçar. No parque aquático ele pegou com uma mão a mão do meu colega e com a outra ele segurou a minha quando caminhávamos por lá. A coisa mais fofa do mundo o menino de cabeça amarela e olho azul. Eu me divirto aprendendo dinamarquês com os brinquedos dele, quando ele aperta um milhão de vezes num mesmo botão pra ouvir o tablet soltar a palavra "traktor" ("trator", em dinamarquês). Nunca me senti tão bem-vindo por um casal de heterossexuais.

Me convidarem pra essas viagens e passeios com uma família dinamarquesa tem sido finalmente a maior imersão cultural que eu consegui fazer até agora, em seis meses morando por aqui. Aparentemente existem amizades duradouras começando - em passos lentos, como a relação com dinamarqueses tem que ser.